IPVCC - Notícias

O Céu, a Terra e Paulo Viriato

Casa silenciosa na madrugada adentro. Minha esposa e filhos já dormem. Da sala, logo ao lado, vem o som solitário da tv ligada num desses programas entrevistando os famosos de plantão. Estou no refúgio do meu escritório, confinado pela escrivaninha escura, junto ao abajur de pouca luz, ilhado por centenas de livros, papéis rascunhados e vários objetos empilhados. Acabo a leitura da triste história de um certo monge.

Repentinamente, me flagro analisando de forma quase hipnótica o livro já fechado. Impressionante a luta daquele homem e o seu desespero em busca do diálogo com Deus.

Alguém já disse que “recordar é privilégio dos sábios”, mas é penoso ver uma pessoa lastimar o tempo perdido sem poder recuperá-lo. Segundo o livro, um monge, ainda jovem, empolgou-se pela vida sacerdotal e pelo espírito religioso. Procurou se sentir o mais próximo possível da presença divina, tal qual Zaqueu, o publicano, no episódio bíblico: “Tendo Jesus entrado em Jericó, procurava vê-lo e não conseguia por causa da grande multidão e por possuir uma baixa estatura. Correndo, mais adiante, subiu num sicômoro para poder observar melhor a cena, pois o Salvador haveria de passar por ali”.

Naquele livro, o jovem monge refugiou-se em um lugar bem alto durante várias décadas. Orou, meditou e não viveu. No alto do seu sicômoro, o triste monge imaginava estar mais perto de Deus, vivendo em sua companhia. Acreditou, em seu longínquo mosteiro, que tinha subido o máximo possível.

Porém, quase no final de sua vida, passou a sentir estranhas dores. Eram graves enfermidades que o tornaram doente e totalmente cego. O monge perdera a visão. No entanto, finalmente, descobriu uma luz para procurar dentro de si mesmo o verdadeiro Reino Divino. Resolveu descer do alto de seu sicômoro e vagar sem rumo, repleto de reflexões:

-“Senhor, ouço constantemente uma afirmação que me intriga: Deus não existe. Mesmo que ninguém saiba a resposta correta, esta dúvida sempre me acompanhou lá no topo onde permaneci. Será que Ele existe? Onde estará? Desci, e aqui estou à beira de uma estrada deserta, cego, mas vos enxergando como nunca...”

Lá no cume, durante longos anos, o monge acreditava ter vivido junto à Casa Divina, mas acabou percebendo que Deus não tem casa. As raposas tem seus covis, os pássaros seus ninhos, mas o Criador não tem onde morar. Na verdade, Ele habita em nosso lar, em nosso coração, aqui, bem abaixo do céu, onde se vive ou se cala, onde há crianças, plantas e chão...

No livro que acabo de ler, o monge contou sua peregrinação e descoberta. Levanto, ponho a leitura na estante. Meu pensamento logo evoca a imagem de outro inesquecível monge. Sinto sua presença amiga preenchendo minha imaginação. Repentinamente, tal qual uma suave fragrância que se espalha discretamente, um leve sorriso se forma em meus lábios.

Há pouco tempo sua partida para o Oriente Eterno foi muito pranteada. Agora, recordando episódios de sua vida, da brilhante e lúcida peregrinação que teve por este vale terrestre, em comparação com a história que acabo de ler... Quanta diferença!

Alguns dias antes de seu falecimento, Paulo Viriato Corrêa da Costa ainda nos brindava com seu entusiasmo e alegria de viver. Demonstrou toda a volúpia de alguém que encontra, no convívio do cotidiano, o verdadeiro céu. Infelizmente, muitos nunca conhecerão o rotariano PVCC. Um coração pulsante de Santos para o mundo. Através do Rotary International, hipotecava uma dedicação ímpar ao voluntariado. Por isso, reverenciaremos constantemente os gestos do Paulo, um mestre de amor verdadeiro, um líder nato. Ele deu significado à palavra “Companheiro”. Nunca guardou rancores, brindando a todos com um largo sorriso, abraços carinhosos e fraternos, ofertando sempre sua palavra amiga.

Nesta reflexão, caros leitores, registro a ausência entre nós de um monge que nunca precisou subir até as alturas para estar com Deus, pois Paulo Viriato sempre soube: O céu está aqui, mais abaixo, na terra e em meio a todos nós.

Saudações.

Samir Nakhle Khoury


Nossa Localização

Mapa de LocalizaçãoAvenida Ana Costa nº 151 – Cj. 84
CEP: 11060-001 - Santos - SP - Brasil

Veja mapa de localização